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Feminicídios batem recorde após redução de repasse ao combate à violência contra a mulher

No primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, média de quatro mulheres por dia, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública obtidos com exclusividade pelo g1, GloboNews e TV Globo. O número é o maior já registrado em um semestre e ocorre no momento em que o país teve o menor valor destinado às políticas de enfrentamento à violência contra a mulher.

Se comparado com 2019, o crescimento foi de 10,8%, “apontando para a necessária e urgente priorização de políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero”, diz o Fórum. O aumento foi de 3,2% em relação ao primeiro semestre de 2021, quando 677 mulheres foram assassinadas.

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Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, diz que os dados mais consistentes começaram a ser obtidos em 2019.

“O primeiro ano completo que nós temos de estatísticas no Brasil é 2016. Mas em 2016 e em 2017, ainda temos um movimento nos estados de adaptação a essa nova legislação. Dados mensais nós dispomos a partir de janeiro de 2019 para todo o mês. Mas o que os números indicam? Olhando os dados de janeiro a junho de 2022, se mantida essa tendência, nós teremos um novo recorde de feminicídios, inclusive quando fechar o ano de 2022. Infelizmente, tudo aponta para um crescimento da violência letal contra meninas e mulheres em decorrência do seu sexo, da sua condição de gênero.”

Dentre as regiões, a Norte foi a que apresentou maior crescimento no primeiro semestre dos últimos quatro anos, com aumento de 75%. A região Centro-Oeste também teve crescimento significativo, com 29,9% de alta entre 2019 e 2022.

Já dentre as unidades da federação, Rondônia teve o maior aumento, 225%, seguido por Tocantins, 233,3% e Amapá, 200%, todos na região Norte.

Na contramão, o número de homicídios no Brasil teve queda no primeiro semestre deste ano, como mostrou o Monitor da Violência.

Foram 20,1 mil assassinatos nos primeiros seis meses deste ano, o que representa uma queda de 5% em relação ao mesmo período do ano passado.

Recursos

Apesar do crescimento ininterrupto da violência letal contra a mulher no período, os recursos investidos pelo governo federal para o enfrentamento à violência reduziram drasticamente.

Como o g1 mostrou, o governo do presidente Jair Bolsonaro, nos quatro anos de gestão, propôs no Orçamento da União 94% menos recursos para políticas específicas de combate à violência contra a mulher do que nos quatro anos imediatamente anteriores.

Os números fazem parte de um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), uma organização não governamental sem fins lucrativos. Os valores foram corrigidos pela inflação no período.

Entre 2020 e 2023, anos que englobam os projetos de Orçamento enviados ao Congresso pela atual gestão, foram indicados R$ 22,96 milhões para políticas específicas (recursos carimbados) de combate à violência contra a mulher.

Nos quatro anos anteriores, ou seja, nos Orçamentos de 2016 a 2019 (que não foram enviados por Bolsonaro) esses recursos eram de R$ 366,58 milhões. A queda foi de 94%.

Após serem propostos, os valores podem ser ajustados pelo Congresso nas discussões da lei orçamentária anual. Os números mostram que os parlamentares geralmente elevam as dotações propostas pelo Executivo. Ao governo, porém, cabem as últimas etapas: autorização para empenho (reserva dos valores) e gastos propriamente ditos.

No Orçamento para 2022, por exemplo, o governo propôs R$, 6,3 milhões para políticas específicas de combate à violência contra a mulher. O Congresso elevou o valor para R$ 44, 3 milhões. Até setembro, foram efetivamente gastos R$ 32,3 milhões, o menor valor desde 2014.

Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, explicou ao g1 que esses recursos de enfrentamento à violência contra mulheres – agora reduzidos no Orçamento – são usados para fomentar a rede de proteção, que vai desde convênios para organizações locais, prefeituras, assim como para serviços públicos de modo geral.

O governo federal alegou na ocasião da publicação da matéria que está prevendo mais recursos para a área por meio dos “planos de Orçamento”.

Para o Fórum, o atual governo “priorizou uma visão familista ao criar o Ministério da Família e dos Direitos Humanos e o esvaziamento total da compreensão de gênero como eixo orientador das políticas públicas. Neste sentido, um dos principais desafios ao novo governo eleito parece ser restabelecer o entendimento da desigualdade de gênero e poder como elementos centrais para compreensão das violências sofridas por meninas e mulheres, cis, trans e travestis.”.

“Por um lado, não chega a ser surpreendente esse crescimento nos feminicídios no primeiro semestre de 2022. O que nos causa espanto é que, quando a gente analise esse período de quatro anos, e compara o primerio semestre deste ano e o primeiro semestre de 2019, esse crescimento quase bate 11%. Então é um número é muito elevado, em um momento em que o Brasil está fazendo cair a violência letal. O Brasil reduziu significativamente os homicídios de 2019 para cá, mas a violência baseada em gênero, a violência que atinge mulheres está crescendo. Então, isso me parece muito claro que é um descaso do Estado com políticas públicas de acolhimento, prevenção e enfrentamento à violência”, completou Samira.

Raio-x do feminicídio

Com base nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública referentes a 2021:

68,7% das vítimas de feminicídio tinham entre 18 e 44 anos
16% delas tinham entre 18 e 24 anos
12,3% entre 25 e 29 anos
14,4% entre 30 e 34 anos
15,2% entre 35 e 39 anos
10,8% entre 40 e 44 anos.
62% eram negras
37,5% brancas 0,3% amarelas
0,2% indígenas
81,7% das vítimas foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro íntimo
Desconhecidos apareceram como autores apenas em 3,8% dos casos

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