Na terça-feira (24/03), o presidente Jair Bolsonaro se posicionou publicamente sobre a doença que vem sendo responsável por diversas mortes ao redor do mundo, a COVID-19. O mesmo ordenou o fim da quarentena – medida tomada por órgãos públicos para conter a propagação do vírus – e, com isso, a volta à normalidade.
“O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa”, registrou Bolsonaro.
Divergência entre presidente e Ministro da Saúde
No entanto, o posicionamento de Bolsonaro vai na contramão do Ministério da Saúde, já que o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou no sábado (28/03) durante uma coletiva de imprensa que a quarentena é necessária, e ironizou alguns empresários que defendem o fim do isolamento social:
– “Tem aqueles que falam assim: ‘essa doença vai matar só 5 mil ou 10 mil’. Não é essa conta. Essa doença ataca a sociedade como um todo, a logística, a economia e uma série de estruturas”, alfinetou Mandetta.
E não parou por aí. No mesmo sábado, 28/03, o portal de notícias Estadão noticiou que em uma tensa reunião entre as partes, Mandetta pediu para Bolsonaro não menosprezar os efeitos da doença em suas declarações. O Estadão apurou que o ministro fez a seguinte ressalva: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?”.
O abismo gerado entre o presidente da república e seu representante da saúde nos leva à seguinte questão: a ameaça de uma iminente crise econômica é maior que o caos gerado pelo coronavírus?
Membros do Instituto de Economia da Unicamp debatem a situação
Para responder a este embate, nossa equipe conversou com Miguel Georgetto e Marcelo Di Bonifácio Filho, membros do Instituto de Economia da Unicamp. Segundo eles, confrontar a dramaticidade do coronavírus com uma provável crise econômica deveria ser considerado uma falácia.
-”A dicotomia entre crise econômica X medidas de contenção da pandemia é, na verdade, uma falácia. Um estudo do Federal Reserve System (Fed), o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos, sobre a última pandemia mundial, conhecida como Gripe Espanhola, em 1918, mostrou que não faz sentido a recusa de medidas sanitárias em troca de maior crescimento econômico. No estudo, vemos que os países que adotaram medidas sanitárias de contenção da doença mais cedo ou com mais ímpeto tiveram um crescimento mais consistente após o fim da epidemia”, registrou Miguel.
Miguel também faz uma importante ressalva sobre a importância de se preservar vidas.
–“Para além da discussão moral de vidas hoje X vidas amanhã (considerando as vidas que se perderiam por conta de uma crise econômica), o estudo do Fed mostra outra dinâmica: às medidas sanitárias que salvam vidas hoje, ou a curto prazo, não custam vidas amanhã: na verdade, elas ajudam o país a se recolocar melhor na economia mundial depois do fim da crise de saúde [..] Claro que uma diminuição da atividade econômica é prejudicial para os resultados de um país. O crescimento do PIB brasileiro no ano de 2020 será muito baixo, senão negativo. Mas conter a epidemia de Covid-19 é importante para que esse baixo crescimento aconteça apenas em 2020”.
O membro do IE – Instituto de Economia – ainda completa: “Quanto menos o mundo todo e o Brasil sofrerem de perdas humanas nesta crise de saúde, mais fácil será retomar a normalidade depois que o pior passar. No estudo do Fed, vemos que nos países com menor mortalidade, o crescimento do nível de emprego foi maior”.
Além de Miguel, Marcelo também nos mostra dados importantes baseados em pesquisas feitas pelo economista Carlos Góes.
– “O estudo do Fed e do MIT já citado pode ser complementado com um estudo feito pela equipe econômica do governo Temer, o qual o economista Carlos Goés participou, em que foi calculada a perda de capacidade produtiva pela redução da força de trabalho: há, no mínimo, um custo econômico de R$630 mil por trabalhador, no longo prazo. É uma boa ilustração de que perdas humanas são perdas econômicas, demonstrando como não há essa troca entre salvar vidas ou preservar a economia […] Há choque de oferta (queda abrupta de receitas das empresas, falta de insumos do mercado externo chegando no país, dentre outros), mas também há choque de demanda (as pessoas não vão sair por aí comprando e consumindo, suas rendas estão diminuindo, etc). Por isso, é fato de que não é a quarentena que está gerando a recessão: é a pandemia.”
Marcelo ressalta que mesmo com um governo teoricamente “rachado” com opiniões divergentes, medidas econômicas estão sendo anunciadas para reduzir os impactos dessa possível crise.
–“Pois bem, por mais que o governo federal esteja desarticulado, as medidas econômicas estão sendo anunciadas, bem ou mal. Algumas elas: Conselho Monetário Nacional autorizou o Banco Central a expandir a capacidade de crédito (via redução de compulsórios) em valores de R$200bi – medida que depende da (boa) vontade das instituições financeiras em fornecer empréstimos com juros baixos, para que se atinja as pequenas e médias empresas; ampliação do Bolsa-Família para mais 1 milhão de beneficiários; aprovação (já sancionada pelo presidente da República) de uma renda básica emergencial – direcionamento de R$600 por pessoa à famílias de baixa renda, com limite de duas pessoas por família, por 3 meses, com o intuito de ajudar os mais vulneráveis, trabalhadores informais e desempregados.
Quando perguntado sobre a eficácio do governo diante das medidas tomadas do Congresso Nacional e do Banco Central, Marcelo não hesita e responde: “De fato, as medidas do Congresso Nacional e do Banco Central são bons primeiros passos, mas esbarram na ineficiência do governo federal em transmiti-las a sociedade e de pô-las em prática. E há mais a se fazer. Inúmeros economistas vêm nas últimas semanas propondo medidas extremamente críveis a crise que passamos e iremos passar como: ampliação da renda básica emergencial bem como da eficácia dessa medida – para que chegue mais fácil no bolso das pessoas – aumento dos benefícios e beneficiários do Bolsa-Família, ampliação da linha de crédito já sendo feita pelo Banco Central a pequenas e médias empresas – forçando os bancos privados a oferecerem os empréstimos a juros baixos – e, por que não, o saque imediato do montante total do FGTS, ou parte dele, a contas ativas referentes a trabalhadores que ganham até 2 salários mínimos. Há propostas para todos os “gostos econômicos”.
E Marcelo conclui, afirmando que o grande problema do governo atual é achar que o isolamento social é responsável pelo choque econômico, quando, na verdade, é a solução para respirarmos economicamente em breve.
– O financiamento, algo importante a se frisar, viria da emissão de dívida pública: a sociedade, coletivamente, pelo Estado, se indevida pelo bem do coletivo – salvar vidas – e, no futuro, essa mesma sociedade se financia. O governo não precisa arrecadar primeiro para gastar em segundo lugar – a dívida pública é um instrumento de financiamento da economia, principalmente em momentos de crise. E, por isso, como é justa a preocupação com a saúde fiscal de um país, assim que acabada a crise, deve haver uma reforma tributária progressiva, e a revisão imediata do teto de gastos, para retomar o investimento público. Em resumo: nos endividamos hoje e nos financiamos com recursos de amanhã. Essa é a ideia de que a economia pode ser salva, diferentemente da nossa incapacidade de ressuscitar mortos. Basta o governo agir, e rápido, amanhã, agora.”, encerrou Marcelo.
Direto da Redação
GABRIEL MACHADO
TV HORTOLÂNDIA